VERGONHA: Matéria especial sobre o bullying escolar

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010 Postado por Allan Pitz
"Vergonha. Por esse motivo, eles tentam apagar esse escândalo da escola, do município"


Matéria especial e entrevista exclusiva com SILVIA RIBEIRO, mãe de uma estudante da cidade de Junqueirópolis, em São Paulo, de 12 anos, vítima de bullying. E também com o psicólogo Marcos Flávio Amaral de Andrade, que respondeu algumas perguntas sobre o bullying e seus efeitos.

Por Allan Pitz
Colaboração de Isadora Marinho


Até que ponto eu realmente sei o que ocorre com o meu filho? Já se fez essa pergunta? Refiro-me, principalmente, ao ambiente escolar dele. Embora seja o local onde as crianças e os adolescentes, supostamente, deveriam estar em total segurança, a escola pode assumir tanto a função de santuário como de campo de batalha. Isto é um fato.

De que forma os educadores e pais podem perceber as agressões sofridas pelas crianças, as torturas diárias? E mais: quem é qualificado, hoje em dia, e sensível, para identificar casos de bullying? Não posso me negar o pensamento de que alguns professores são seres de pedra (a rotina e o salário os endurecem) e que gostam de dizer que fulano é "fresco". Eu, na época de moleque, ouvia muito professor dizendo que fulano era fresco, que não agüentava brincadeiras. Que era "bobão".
Hoje, eu me pergunto: quem pode julgar a sensibilidade de uma criança, um ser que está em fase de desenvolvimento e precisa de apoio moral e educação disciplinar?! Apenas alguém preparado, muito bem preparado. Para tanto, não podemos mais empurrar o bullying para debaixo do tapete. As escolas devem admitir os casos - e não omiti-los, ou atribuir uma culpa não lógica ao aluno agredido. É hora de assumir os erros, e tomar um rumo claro de evolução.

É hora de enfrentar - e vencer - essa questão e servir de exemplo para o mundo inteiro. Investir na educação, de uma maneira geral. Mas admitir, e tratar, a questão do bullying em todas as escolas do Brasil.


Entrevista com Silvia Ribeiro Belamino da Silva, mãe de uma menina de 12 anos, vítima de bullying em uma escola do interior de SP:

Senhora Silvia, como foi, para os pais, descobrir que sua filha era vítima de bullying na escola?

R: Foi um sentimento inigualável, ficamos amortecidos e muito tristes... Por mais espaço que tenhamos dado para as nossas filhas conversarem conosco, por mais liberdade que damos e por mais amor que demonstramos, não foi o suficiente para a Marina nos confiar a história.

Antes do ocorrido, a senhora já tinha conhecimento sobre o bullying? Sabia o que era?

R: Sim, acompanhava reportagem e entrevistas sobre bullying, e em uma cidade vizinha (Dracena) estava na semana de uma campanha contra bullying quando descobrimos o fato.

Até que ponto eu realmente sei o que ocorre com o meu filho?

R: Na verdade, eu descobri que não sabemos muito, nossos filhos são uma eterna caixinha de surpresas, por mais que conversemos; mantenhamos-nos abertos para diálogo, não sabemos o que realmente ocorre com nossos filhos.

Sua filha contou sobre o caso ou a senhora descobriu de outra maneira?

R: Ela nos contou depois de tanto ficarmos em cima dela, e irmos com ela até a escola para esclarecermos, foi aí que ela abriu o jogo.


Como a escola tratou desse caso?


R: Com descaso, não deu muita importância, pois a direção da escola só pensa em arrecadar dinheiro, com almoços e festas. Mas em uma entrevista com o jornalista da TVI SBT, deu para ver a falta de responsabilidade. (está no you tube).

Sua filha recebeu algum tipo de apoio psicológico da escola, algum tipo de apoio ou retratação?

R: Nenhum apoio da escola e nem psicólogo, pois está com demanda e ela aguarda e só conseguimos na cidade vizinha para o final de janeiro/11.

Quais eram as ameaças que os outros alunos faziam?

R: Dar surras, e ameaças de que os meninos pegariam ela para fazer coisas que a “chefe” ordenasse. Fora que os marginais da cidade iriam pegar eu e o meu marido, junto com nossas filhas. Coisas assim.

A senhora acredita que muitos desses jovens são apenas crianças mal orientadas para a vida em suas casas e na escola?

R: Não, a índole também pode ser má e perversa, fora que a inveja é muito grande, ninguém vê o quanto trabalhamos, mas só vêem o que temos. Crescer o olho no bem alheio acaba sendo a saída mais fácil, ao invés de batalhar para ter o mesmo. A extorsão é basicamente isso.

Em sua opinião de mãe: como seria a escola ideal para seus filhos estudarem?

R: A escola ideal é aquela onde há segurança para todos os tipos de ações, aquela que defende o aluno contra todos os tipos de preconceitos; uma escola, aonde o aluno, além de ir para se instruir, aprende a ter mais respeito e amor ao seu próximo. Respeito pelos outros.

Não seria bom, para evitar o bullying, acrescentarmos ao currículo escolar a matéria: Igualdade e respeito, logo nos primeiros anos do ensino fundamental?

R: Com toda certeza, e moral também; não aquela que fica no caderno, mas aquela do cotidiano, do dia a dia, e dos bons trabalhos comunitários.

O que faltou por parte da escola, em seu ponto de vista, para evitar o ocorrido com sua filha?

R: Mais fiscalização, mais campanhas, mais preocupação comportamental, não somente preocupação financeira.

Você sente mudanças na sua filha, do ponto de vista do rendimento escolar e comportamental? Ela mudou depois desse episódio? Caso sim, o que você pretende fazer com isso?

R: Nos primeiros dias sim, mas agora está voltando ao normal. Ela mudou, cresceu intelectualmente, e só foi para a escola enquanto estava tendo provas, depois não foi mais.


Você a mudou de escola ou pensa em fazer isso?


R: Depois do fato, conversei com o diretor de outra escola e, por conta de estarmos no final de ano letivo, decidimos que é melhor esperar o próximo ano, e a vaga dela já está reservada para 2011.

Peço que deixe uma mensagem para todos os pais do Brasil.

R: Pais sejam vigilantes incessantemente, zelosos, amorosos, pois o mundo está lá fora para se aproveitar e devorar nossos filhos. Eduque-os bem, para que eles sejam lutadores, sem medo, enfrentando o dia a dia e acabando vez por vez com os seus leões. Sejam pacientes, mas sem serem moles, apóiem o seu filho, para que ele sinta sempre que podem contar com você. E ame, ame sempre, muito! Pois o amor suporta tudo, ajuda tudo, enfrenta tudo, vence tudo.

Link do caso no You Tube: www.youtube.com/watch?v=bM1taRHHnx8




A Psicologia do Bullying - Entrevista com o psicólogo Dr. Marcos Flávio de Andrade.

Primeiro, Doutor Marcos, muito obrigado pela gentileza de participar. Por favor, explique rapidamente para nós o que significa o termo bullying.

R: Eu que agradeço a oportunidade em poder esclarecer e ajudar sobre esta e qualquer outra forma de manifestação de violência e exclusão social. O termo inglês “Bullying” denota intimidação, humilhação, gozação, tirania, ameaça, perseguição, ofensa, bater ferir, descriminar, ignorar e por ai vai. É um tipo de violência moral e muitas vezes física que ocorre de forma sistemática e repetitiva entre alunos no ambiente escolar, e muitas vezes contam com a participação de professores seja de forma direta, por favorecimento e negligencia.

A criança que comete o bullying, a algoz (bully), por que ela faz isso? Seria uma pista de um transtorno psicológico, talvez uma psicopatia?

R:
Acho muito precipitado fazer qualquer apreciação diagnostica de maneira generalizada, é claro que poderemos encontrar traços de violência e abuso no histórico de vida de um psicopata ou perverso de qualquer ordem, mas traçar um perfil psicodiagnóstico sem avaliação cuidadosa em cada caso pode ser estigmatizante e igualmente violento. As razões que levam alguém a infligir dor, sofrimento e mal-estar a outrem, são diversas. No caso do bullying, vários autores que discutem e pesquisam o assunto citam a baixa autoestima, a necessidade de mostrar poder e/ou pertencer a um grupo, de ser popular, ter fragilidades sociais e/ou pessoais entre outros.

O que leva crianças a atacarem as outras, com nível de crueldade semelhante ao de adultos?

R: Ah, as crianças podem ser muito cruéis sim! Às vezes até mais que adultos. Nos não nascemos sabendo regras sociais, leis, comportamentos adequados, quando ou como devemos fazer isso ou aquilo. Tudo isso advém com a experiência, com vivencia, tentativa e erro, com exemplos bons ou maus com o que nos ensinam e fazem as pessoas que amamos e admiramos. As crianças são seres em formação e como tal devem ser bem acompanhadas, orientadas e bem educadas, devemos ensinar limites e possibilidades. Uma das boas maneiras de agenciar a formação de nossas crianças é sempre responsabiliza-las (em justa medida) por seus atos e escolhas, ainda que isso pareça incompatível com sua maturidade, pois não nos enganemos elas nos compreendem. Devemos pensar se o bullying é exclusividade das crianças, pois se um professor que ao não se da conta ou se aproveita do poder que está envolvido na relação professor-aluno pela posição que ocupa “daquele que detêm o saber”, para humilhar, oprimir ou abusar de alguma forma seus alunos, este também comete o bullying. E os trotes universitários que se configuram em agressões?

A que tipo de comportamento a escola deve ficar atenta para "flagrar" casos de bullying, antes que eles tenham causado danos por demais?

R: Não sei se podemos cotejar comportamentos específicos que anunciam a iminência do bullying sem certa precipitação, talvez até existam alguns, mas precisamos sempre intervir a partir do contexto e das singularidades de cada situação. Os profissionais que trabalham com educação (todos inclusive a cantineira, porteiro, pessoal da limpeza, etc.) devem estar atentos a sinais que podem ser indicativos de violência e abuso no âmbito escolar como isolamento, dificuldade de fazer “laço” e participar de atividades coletivas, baixa autoestima, baixo rendimento, tendências discriminatórias, rivalidades entre grupos e tribos e perseguições sistemáticas a um determinado individuo ou grupo entre outras coisas. A melhor maneira de lidar com o problema é a prevenção e esta pode ser feita com informação, orientação, acolhimento, responsabilização (responsabilizar o individuo por seus atos e torna-lo responsável em algum nível pelo bem estar de seu próximo, afinal o problema é de todos e não do fulano) promoção de atividades de convivência e coletivas. A promoção e o exercício da cidadania são fundamentais.

Qual o maior prejuízo psicológico que sofre uma criança vitima de bullying?

R: Segundo alguns autores, a violência na escola pode trazer desinteresse pelos estudos, êxodo (troca de uma escola para outra) ou evasão escolar (abandono dos estudos), depressão ou mesmo reações extremas de violência em atos (agressões) ou em representação (violência com animais, desenhos sinistros etc.).

Os professores, também, não deveriam estar preparados psicologicamente, para lidar com isso tudo?

R: dificilmente estamos “preparados psicologicamente” de antemão para enfrentar as dificuldades no trabalho ou na vida. O que podemos fazer é criar maneiras para lidar com mais precisão e qualidade em cada uma das situações que nos aparecem. A questão é: o que fazer com isso? Não só os professores, mas todos na escola inclusive os alunos e familiares precisam receber (in)formação adequada e permanente para lidar com o bullying e qualquer outra contingencia adversa que possa surgir naquela. É preciso fazer uma analise constante do cotidiano escolar e fazer sempre um “estranhamento” de tudo que está instituído. Por exemplo, o bullying só recentemente tem sido tratado como um problema grave, durante muito tempo, talvez toda historia social da criança na escola, a violência moral foi tratada com naturalidade, como “coisas de crianças”. É preciso que toda ação pedagógica seja, pegando emprestada uma expressão da saúde, viva em ato, que novas significações e potencialidades sejam engendradas para e por todos!

Como funciona o estigma cruel de "não fazer parte", para a evolução social e intelectual de uma criança?


R: Bom, sinceramente acho que isso depende de diversos fatores, mas o mais importante a ser considerado aqui é a singularidade de cada caso e de cada um envolvido e de como eles são atravessados, ultrapassam ou são tomados por esta experiência, e o mais importante, o que vão fazer a partir dela. Uma criança ou qualquer pessoa pode “não fazer parte” por escolha dela (por opção religiosa, ou pelos “outros” não servirem para se relacionar com ela.) e por isso passar a sofrer com abusos, violência e exclusão maior ainda.

Sempre a questão do diferencial... Por que as crianças tendem a atacar uma criança "diferente"? Partimos de qual princípio?


R: Interessante a sua pergunta, principalmente a segunda (Partimos de...), pois de alguma maneira nela já está claro que você é sensível ao fato de que não só as crianças, mas todos nos somos avessos ao diferente, pois ele é “ameaçador” ao que está estável, ao comum, corriqueiro, aos modelos hegemônicos. O diferente é um “vir a ser”, uma transgressão do “normal”, se é que assim posso me exprimir, e somos hostis a ele por mecanismo de defesa. Por isso uma boa maneira da escola lidar com questões que naturalmente surgem com o diferente, com a coletividade, a multiplicidade, é promover atividades/ações/agenciamentos de inclusão, de acolhimento, de vinculação e cidadania se apropriando positivamente dos espaços coletivos possibilitando questionamentos, desvios e intervindo em situações de conflito buscando uma circulação mais possível pelo “diferente”.

Como os pais podem identificar se o seu filho é um bully (agressor)? E como evitar esse desvio de comportamento, afinal?


R: Os pais são fundamentais na vida de seus filhos e devem estar presentes em tudo que diz respeito a ela. Trata-se menos de controle ou tutela e mais de cuidado e atenção, os pais devem ser parceiros de seus filhos e acompanhar sua vida social, incluída a escola. Ao serem mais participativos os pais tem mais condições de serem sensíveis a possíveis situações de violência. Como temos tratado aqui, a meu ver, o bullying ocupa outros registros e não se limita apenas a questões comportamentais, mas a impossibilidades de se estabelecer laços sociais diversos.

Já existe uma melhor forma de se combater o bullying, dentro da própria psicologia?

R: Não há uma “receita de bolo”, formula ou modelo, como já disse, dependerá de cada caso, da singularidade dos envolvidos e do contexto escolar e cultural em que ocorrer o bullying. A tarefa para prevenir e evitar a violência moral no âmbito escolar não se limita a psicologia, ela estende-se aos diversos ‘atores’ que compõem a educação, pedagogia, psicologia, administração escolar, os funcionários de apoio (faxineiros, cantineiros, inspetores, porteiros...) as famílias e até mesmo as secretarias municipais/estaduais de educação ou órgãos similares, o ministério da educação que podem compor algumas politicas publicas a fim de produzir novas formas de socialização nas escolas.



Marcos Flávio Amaral de Andrade.
Psicólogo, formado na PUC-Rio. CRP: 05/40287
  1. Eu achei o primeiro caso relatado um absurdo...
    Mas realmente, o quanto um pai e uma mãe sabem sobre o que seu filho está fazendo... E o que me faz pensar, ainda mais do que no caso do filho estar sofrendo bullying é no caso do filho estar cometendo bullying... os pais realmente devem ficar muito atentos às atitudes de seus filhos e manter um relacionamento aberto à diálogos sempre.

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